Recepção russa

Tribuna | 23 de junho de 2014 | Foto: Ciciro Back

Basta um cumprimento para perceber que algumas tradições brasileiras já foram incorporadas ao cotidiano do russo Igar Pyjau, 30. Enquanto seus conterrâneos não são de muito contato com pessoas desconhecidas, ele, que mora em Curitiba desde 2010, já adotou um cumprimento bem brasileiro: o beijinho no rosto quando encontra alguém.

Nos últimos dias, porém, Pyjau tem tido a oportunidade de reencontrar os costumes russos, pois está trabalhando como assistente intérprete para a Copa do Mundo. Sua função é recepcionar os visitantes estrangeiros no aeroporto ou prestar informações na Arena da Baixada durante os jogos do mundial na cidade. Além do idioma russo, ele também domina as línguas inglesa e espanhola, e ainda conhece bem a cidade por onde já andou bastante, do centro aos bairros.

Mesmo não sendo muito fã do futebol, ele diz que sua torcida é pela seleção russa na competição, que entrará em campo em Curitiba na próxima quinta-feira, contra a Argélia. Mas como trabalha durante os jogos, ainda não sabe se terá a chance de assistir a partida dos representantes de seu país. “Não tenho ingresso, mas espero conseguir acompanhar junto com a torcida, seria ótimo”, diz o jovem, que também não esconde um carinho pela seleção brasileira. “Primeiro a seleção russa e depois a brasileira”.

A presença dos russos em Curitiba não deve causar muito estranhamento aos visitantes. Pyjau explica que os costumes são semelhantes. “Dizem que curitibano não cumprimenta as pessoas no elevador, mas na Rússia se mantém bem mais distância. O que no resto do Brasil é ruim, para os russos é uma coisa boa. Com os desconhecidos os russos são mais reservados”, afirma.

Mesmo assim ele admite que sua própria expressão corporal já está mais abrasileirada. “Estive na Rússia em 2013 e meus amigos comentaram que mudei, tanto no sotaque, como no jeito e no comportamento”, diz.

 

Brasil em vez de Portugal
Curitiba foi a primeira cidade brasileira que Pyjau conheceu, na época em que, como ele mesmo diz, ainda não tinha ideia do que realmente era o Brasil. A primeira visita aconteceu em 2009, quando o jovem ficou durante cinco semanas na capital paranaense e participou de um curso intensivo de português para estrangeiros no Centro de Línguas e Interculturalidade (Celin), na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Depois disso partiu para o Rio de Janeiro, Natal e São Paulo, antes de voltar para a Rússia.

Em 2010 Pyjau desembarcou já de mudança para Curitiba, certo dos planos que teria por aqui. “Fiz um curso extensivo de português e de redação em Língua Portuguesa. Em 2011 passei em Letras na UFPR, licenciatura em português e espanhol”, conta ele, sem nenhum erro de pronúncia ou construção das frases, nem com sotaque muito carregado e com um rico vocabulário.

Os estudos na língua portuguesa, no entanto, começaram anos antes, ainda na Rússia e sem o auxílio de nenhum professor. Mas o foco na época era uma visita a Portugal. “Estudava com textos em português e com um dicionário dos anos 1950. A internet também ajudou, buscava portugueses para me comunicar, mas eram os brasileiros que queriam falar comigo. Conheci muita gente e aos poucos fui mudando de ideia, quis vir para o Brasil”, lembra ele que nasceu em na cidade de Navapolatsk, que pertenceu à União Soviética e hoje faz parte da Bielorrússia.

 

Mitos brasileiros
“Os russos não sabem muito sobre o Brasil e o que sabem são mais estereótipos. São lados opostos no globo”, avalia. Ele conta que entre os mitos disseminados no país europeu é que no Brasil todos vestem calças brancas, conforme relatou uma obra literária russa da década de 30, que mais tarde foi adaptada ao cinema e disseminou ainda mais a informação.

As referências estereotipadas também renderam situações engraçadas em seus primeiros meses no novo país. “Até a segunda metade dos anos 1990 assistíamos muitas novelas brasileiras na Rússia e achávamos que aquela era a realidade brasileira, mas vivendo aqui entendi que era diferente, sobretudo o Sul do país”, diz.

Desta forma, ele adquiriu o sotaque carioca durante seus estudos, puxando o som das letras “r” e “s”. “Em uma entrevista no curso o professor me perguntou por que falava daquele jeito, mas na segunda vez que voltei foi mais tranquilo”, conta.

A vida em Curitiba também é tranquila e a cidade foi a preferida entre as outras capitais que Pyjau já conheceu. Ele diz que já se acostumou com o inverno, que é diferente de sua terra natal, onde o clima permanece mais seco, e conhece muito bem a cidade. Além disso, se casou com uma brasileira no começo deste ano, pretende concluir a faculdade, investir na vida acadêmica e continuar a dar aulas particulares da língua russa. “Fui muito bem recebido aqui, nunca aconteceu nada de ruim comigo”, garante.

 

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