Cuidado com picaretas!

Tribuna | 15 de outubro de 2014 | Foto: Ciciro Back

Contratar um advogado pode se tornar a causa de problemas graves ao invés de solução quando o cliente não fica atento aos seus direitos nem toma os devidos cuidados. O mecânico aposentado Ari Buso, 69, é um exemplo desta situação. Ele ainda tenta reverter as consequências de uma má escolha feita num momento de dificuldade, quando jamais imaginou que seria vítima de um golpe praticado por quem deveria ajudá-lo.

Ao tentar cobrar o aumento indevido da mensalidade de um plano de saúde de Curitiba, Buso contratou, em novembro de 2007, um advogado com o qual nunca teve contato. Quem intermediou a relação foi seu filho, que entregou ao profissional uma procuração assinada pelo aposentado, que não recebeu sequer uma cópia do contrato dos serviços a serem prestados. Em seguida foi protocolada na Justiça uma ação pedindo a revisão dos valores e o pagamento retroativo do que foi cobrado anteriormente.

Somente seis anos depois, em julho de 2013, a família voltou a ter contato com o advogado. Por email, o filho de Buso cobrou informações sobre o andamento do processo e recebeu a resposta de que o processo havia sido “totalmente exitoso desde a primeira instância”, mas a execução final ainda iria demorar por causa dos recursos do plano de saúde.

Mesmo assim, o advogado ofereceu a antecipação dos valores a serem recebidos com a entrega de um veículo Fiat Bravo modelo 2011, avaliado em R$ 41 mil, e mais o pagamento de seis parcelas no valor de R$ 4 mil. A proposta de um acordo para cessão de direitos sobre a ação contra o plano de saúde foi feita caso não houvesse “mais interesse em aguardar o tempo em que for necessário para que todas as benesses da ação lhe sejam garantidos”, escreveu o advogado.

A proposta deixou Buso desconfiado e ele procurou outro profissional para verificar o que de fato estava acontecendo. Desta forma o golpe foi descoberto. Um mês antes de explicar por email que a sentença demoraria a sair, o advogado já havia retirado de uma conta judicial o valor de R$ 93.659,89 pago pelo plano de saúde, o que caracteriza o delito de locupletamento ilícito, um dos delitos mais graves no código de ética da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB-PR). A procuração assinada pelo aposentado possibilitou a retirada do valor pelo próprio advogado, o que foi comprovado pelo banco responsável pela transação.

Trauma
Desde então, Buso tentou de diversas maneiras fazer contato com o advogado, para tentar um acordo e receber o valor a que tem direito, além de entender o que aconteceu. Todas as tentativas de conversa não se concretizaram e até hoje o aposentado não recebeu nem um centavo. Ele tenta ainda garantir R$ 30 mil de um saldo remanescente no processo.

Toda a situação causou graves problemas de saúde e emocionais. O negócio de Buso faliu e ele teve dificuldades para quitar suas dívidas. Para isso, se desfez de bens materiais e em seguida sofreu um infarto e entrou em depressão. “Fiquei em situação de desgraça. Depois que soube de tudo isso, piorei. Entrei em depressão pois tinha direito a receber tudo, mas não consegui”, lamenta.

O caso ainda se tornou mais complicado. A mensalidade do plano de saúde sofreu um reajuste de 9,6% e chegou a R$ 1,3 mil para Buso e sua esposa, enquanto a aposentadoria que ele recebe é de R$ 2,6 mil.

 

Advogado é reincidente no golpe
O novo advogado contratado pela família Buso juntou uma lista de documentos que comprovam a fraude. Além de retirar o dinheiro e não dar satisfações ao cliente, o golpista se recusou a receber notificações oficiais. Em uma delas, o aposentado o destitui como seu representante legal e ainda solicitou explicações, um possível acordo sobre o pagamento de honorários e a entrega do dinheiro, porém sem resposta.

Também foi possível identificar que o advogado não possui nada em seu nome, nem imóveis e automóveis, o que pode representar má fé de sua parte. Uma liminar que bloqueou sua conta bancária encontrou saldo de R$ 1.

O aposentado ainda entrou com uma ação cível e outra ação criminal. O caso também virou um processo protocolado na OAB-PR, onde o advogado ausente já recebeu duas sanções, uma de censura e outra de suspensão por desrespeito ao código de ética e disciplina da instituição. A suspensão que durou entre 04 de janeiro de 2012 e 28 de novembro de 2013, inclusive, estava vigente no período em que o dinheiro da ação foi retirado da conta judicial, o que desrespeita mais uma vez o código da ordem. Procurado pela Tribuna para explicar a situação, o advogado se recusou a comentar o caso.

 

OAB: atenção e cautela
O presidente da Câmara de Disciplina da Ordem dos Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB-PR), Renato Cardoso de Almeida Andrade, alerta para a importância de ficar atento ao procurar pelo serviço. “Contratar um advogado às cegas é um equívoco que infelizmente não é raro e os maus profissionais se aproveitam disso. Quando a pessoa vê está em uma situação dificílima e encara um segundo problema”, lamenta.

Andrade destaca que o cliente deve ter todas as informações a respeito do prestador de serviço, além de exigir toda a documentação que envolve o caso. Isso significa receber uma cópia do contrato – que define o trabalho a ser realizado, o valor e a forma de pagamento dos honorários e a responsabilidade do advogado -, até recibos da entrega de documentos, que facilita na organização. “O contato pessoal é indispensável. Só se deve assinar procuração a pessoas que você conhece pessoalmente”, reforça.

Também é um direito do cliente receber todas as informações sobre o processo. “Não dar informação ao cliente quando solicitado é infração ética”, explica. Isso se aplica principalmente ao momento em que são liberados valores referentes a indenizações. “Não prestar contas é absurdo”.

Confiança
O presidente da Câmara de Disciplina da OAB compara a relação entre advogado e cliente com a do médico e paciente. “Quando vou ao médico, procuro por ele, que vai ver o que eu tenho e indicar o remédio. A mesma coisa é com o advogado, preciso contar a causa, mostrar a documentação e então contratar”, exemplifica.

“Empatia é a primeira providência, por isso faço a comparação com o médico. Se ele dá um diagnóstico e sinto confiança, passo a me tratar. Mas se não agrada ou fico em dúvida, procuro outro”.

A população pode ter acesso à informações sobre a situação do advogado que pretende contratar junto à OAB-PR. É possível verificar se ele está em dia, no ponto de vista ético, em relação à Ordem e se está apto à exercer a profissão.

Além de fornecer informações, O órgão também pode atuar como intermediário na relação entre cliente e advogado. A OAB-PR também recebe denúncias sobre o comportamento do profissional. “A pessoa pode vir pessoalmente ou pode fazer uma reclamação diretamente na ouvidoria. Defendemos as prerrogativas dos advogados, mas da mesma forma defendemos a comunidade contra os maus profissionais”, explica.

 

Serviço
Ouvidoria OAB-PR
Rua Coronel Brasilino Moura, 253 – 2.º andar
Fone: (41) 3250-5736
ouvidoria@oabpr.org.br

 

http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/835401/?noticia=POPULACAO+DEVE+FICAR+ALERTA+NA+HORA+DE+CONTRATAR+UM+ADVOGADO