Copa no trampo

Tribuna | 13 de junho de 2014 | Foto: Ciciro Back

Na deserta Avenida Marechal Deodoro, no centro, os ônibus eram praticamente os únicos veículos a trafegar pela via na tarde de ontem, durante o primeiro jogo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. E mesmo tendo que trabalhar no horário da partida, o motorista Gregório Amarante, 56, não desanimou: vestiu sua camisa da seleção brasileira e enfeitou o ônibus com bandeiras do Brasil.

Amarante não pode ouvir rádio durante o trabalho, mas diz que está acostumado com a situação já que trabalha há 30 anos no sistema de transporte coletivo da capital e foram raras as vezes que estava de folga para assistir algum jogo. “Quase nunca consigo assistir aos jogos (do Brasil na Copa), só quando cai num domingo, que é quando estou de folga. É difícil, mas não abro mão do uniforme”, diz, apontando para a camisa da seleção.

Sua estratégia para saber os lances dos jogos, especialmente dos gols, é observar a reação dos raros passageiros no ônibus vazio, junto com as buzinas e cornetas. Apesar de perder os jogos, o motorista encara a situação de maneira positiva, pensando no quanto o trânsito da cidade melhora nos dias das partidas. “Faz parte, mas é melhor trabalhar com o trânsito mais calmo, sem nenhum carro na rua”, comemora.

A cobradora Soeli Maria Alves Batista, 36, apostou no celular com televisão digital para acompanhar os lances do jogo enquanto trabalhava na vazia estação tubo localizada na Praça Rui Barbosa. Enquanto isso, disse, sua família fazia festa em casa. “Sempre trabalho na hora do jogo Copa enquanto todo mundo está de folga. Também dá vontade de ficar de folga”, brinca.

Junto com ela, o também cobrador Aldo Conde, 58, assistia a transmissão no celular da colega. “Cheguei antes para conseguir ver o jogo”, disse ele, que começaria o trabalho às 18h. “Se perder os gols vejo amanhã no jornal”.

Perto dali, os Caçadores de Notícias encontraram o porteiro Wanderson Pinheiro Alvez, 24, junto de sua televisão na então escura Galeria Lustosa. “Fechei tudo antes do jogo pra assistir a abertura. Só preciso parar de ver para abrir a porta do elevador para os moradores”, revelou. Pela primeira vez, a escala de trabalho não favoreceu sua torcida na Copa. “Os jogos são de tarde e eu trabalho das 15h às 23h”, disse ele que mesmo à postos na função de porteiro não abriu mão das cornetas para comemorar os gols. “Hoje é Copa, não podem reclamar”, brincou ele, que só ficou satisfeito porque sua folga ficou garantida para o dia 31 de dezembro.

 

Torcida em comunidade
Festa animada foi na igreja evangélica Comunhão Cristã Abba, no Portão, onde mais de 800 pessoas se reuniram para assistir à primeira transmissão dos jogos. Um grande telão mostrava todos os lances, enquanto a torcida animada vibrava quando os jogadores se aproximavam do gol. Ficou difícil dar andamento às entrevistas, já que repórter e entrevistado interrompiam a conversa para acompanhar a movimentação em campo.

“Aqui a gente se diverte em um ambiente saudável. Temos torcedores de todas as idades, famílias e também moradores de rua que participam de projetos sociais e não têm condição de frequentar lugares bacanas para ver a partida”, afirma o pastor Thomas Mauricio Ros.

Sem seu país de origem disputando o mundial, o peruano Alex Ruiz, 33, vestiu a camisa brasileira para torcer junto com a mãe e a irmã, que também nasceram no Peru, e sua esposa e filhos brasileiros. “Quero ensinar o patriotismo para meus filhos e nada melhor do que torcer com os irmãos da igreja. Não tem comparação com torcer em casa”, afirma.

Animação também não faltou para a aposentada Marta de Camargo Oliveira, 80, que estava de verde e amarelo dos pés à cabeça. “A Bíblia diz ‘alegrai-vos com os que se alegram’, então eu faço isso. Quando é Copa do Mundo é um agito”, garante.

 

Enfeitado, mas vazio
Todo enfeitado com as cores do Brasil, o salão de beleza da empresária Dilma Laiola, no Centro, não parou de funcionar durante o jogo do Brasil. E mesmo com uma grande televisão transmitindo a partida, nenhuma das pessoas presentes no local estava atenta aos lances. A técnica judiciária Vera Aparecida Gonçalves, 57, inclusive, aproveitou o horário para marcar um horário com a cabelereira, já que foi dispensada do trabalho. “Marquei justamente para evitar a correria, assim aproveito com folga. Para mim tanto faz, se a Seleção ganhar ou perder a vida continua”.

Vera, porém, foi a única cliente de Dilma que pensou desta maneira. Os outros horários agendados para o período do jogo foram todos desmarcados. “O ideal seria que a gente continuasse atendendo, temos a tevê aqui, mas as clientes não quiseram, preferem mesmo a festa. A agenda estava completa”, lamentou Dilma, que não vê muito ganho financeiro com esta situação. “Financeiramente isso atrapalha, com certeza. Eu prefiro trabalhar”, comenta.

 

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