Tarifa na contramão

Tribuna | 17 de março de 2014 | Foto: Felipe Rosa

Caso o preço da passagem de ônibus aumente em Curitiba, a cidade seguirá na contramão do que foi colocado em prática na maioria das capitais brasileiras. Elas conseguiram reduzir o valor da tarifa ao adotar a revisão nas planilhas de cálculo, a realização de novas licitações no sistema de transporte coletivo, além da adoção de subsídios e isenções fiscais.

Levantamento realizado pelo Paraná Online aponta que entre as 27 capitais, apenas três (Rio de Janeiro, Boa Vista e Maceió) aplicaram o reajuste este ano. O restante conseguiu manter a redução, na maioria dos casos, provocada pelas manifestações realizadas em junho do ano passado.

Florianópolis passou por uma nova licitação que resultou na redução da passagem em R$ 0,10 (chegando a R$ 2,80) e em Porto Alegre o processo continua em andamento. O Tribunal de Contas gaúcho determinou modificações na planilha de custo, que não era atualizada desde 2003. O órgão questionou dados como valores pagos pelas empresas com insumos. Salvador, Teresina e Porto Velho também estão com licitações em andamento, com o objetivo de melhorar a qualidade do serviço prestado à população.

Em algumas capitais brasileiras se observa ainda iniciativas de controle sobre o serviço de ônibus, com determinações de órgãos como Ministério Público (MP) e Tribunal de Contas (TCE), que solicitaram esclarecimentos sobre a manutenção do sistema de transporte ou impediram aumentos no preço da passagem. Foi o que aconteceu em Cuiabá, onde uma comissão técnica observou irregularidades nas informações fornecidas pelas empresas e determinou uma redução de R$ 0,15 na tarifa que chegou a R$ 2,60.

O MP impediu o aumento em Maceió e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) solicitou modificações na planilha de cálculo da tarifa junto com mais transparência no sistema de transporte coletivo em São Paulo. Além disso, o prefeito de Belo Horizonte determinou que qualquer alteração no valor da passagem só será efetivada após uma auditoria que está revisando o contrato de concessão do transporte.

Curitiba
“É falta de vontade política (para reduzir a tarifa), totalmente. Já está comprovado pelos estudos técnicos que nossa tarifa está superfaturada”, avalia o doutor em Desenvolvimento Econômico e pesquisador na área de transporte público, Lafaiete Neves, sobre a ausência de uma diminuição no valor da tarifa em Curitiba. Amparado por cinco relatórios técnicos, que apontam irregularidades no cálculo, ele defende a redução de R$ 0,43 proposta pelo TCE. “Tecnicamente está mais que comprovado. Não há mais dúvida que a tarifa tem distorções enormes nas planilhas de custo, que fazem com que ela esteja superfaturada. É a mais cara tarifa em termos nacionais”, diz.

Ele explica que mesmo comparado às maiores metrópoles brasileiras, o consumo na capital paranaense é menor, já que o trânsito flui melhor, a frota é de última geração e a topografia é mais plana. “A administração municipal e a Urbs não dão um passo para anular o contrato”, critica.

Apesar de diversas manifestações (da população e de órgãos como o Tribunal de Contas do Estado e a Câmara dos Vereadores) para a redução da tarifa, o novo valor da passagem paga pelos usuários curitibanos ainda depende da definição da tarifa técnica, que é repassada às empresas. Na última sexta-feira os empresários protocolaram a proposta de tarifa técnica de R$ 3,33, que está em análise pela Urbs. O órgão já havia apresentado a estimativa do valor a R$ 3,20. A partir daí, será avaliado o preço da passagem cobrada dos passageiros, que envolve ainda uma discussão com o governo do Estado sobre a concessão do subsídio para a manutenção do sistema integrado de transporte.

 

“Caixa preta” dificulta análise
Especialistas defendem a redução do valor da passagem e afirmam que a falta de acesso a informações precisas sobre os itens que compõem o cálculo para a definição da tarifa técnica dificultam a análise do que seria a tarifa justa a ser cobrada do usuário.

O Dieese, por exemplo, já apresentou mais de cem sugestões para que sejam revistos critérios de cálculos, que poderiam diminuir o preço da passagem. O economista Sandro Silva aponta entre eles o preço do diesel pago, média de consumo e depreciação dos veículos, valor estimado das peças e assessórios, além da rentabilidade das empresas.

Ele ressalta que a falta de informações atualizadas impede o cálculo de uma tarifa adequada. “Não conseguimos calcular a tarifa justa. Os indicadores estão defasados e não temos informações suficientes para fazer isso”, diz. O problema, avalia, se estende desde a licitação realizada em 2010, em que foram aprovados os critérios utilizados atualmente para a metodologia do cálculo.

Pelas contas do presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Urbanização do Estado do Paraná (Sindiurbano-PR), Valdir Aparecido Mestriner, a tarifa justa, retirando os itens apontados pelo TCE, mas mantendo a taxa de administração pela Urbs, chega a R$ 2,70. Ele também observa a falta de acesso aos dados. “Não temos dados consolidados, tampouco as especificações da tarifa. No geral se questiona todo o processo de licitação, mas por outro lado alguns custos são reais, que não tem como eliminar”, observa. “A forma como a planilha está elaborada hoje é muito difícil. É preciso uma auditoria, fazer algo que deixe às claras”, completa, ao destacar a necessidade de transparência em todo o processo.

 

Empresários se dizem no “fundo do poço”
Enquanto a necessidade de redução da tarifa é destacada, os empresários garantem que estão no vermelho. De acordo com o assessor da diretoria do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano e Metropolitano de Passageiros de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), Antonio José Vellozo, “as receitas não cobrem os custos” do sistema.

Ele afirma que a contabilidade de todas as empresas, que foi entregue inclusive para a CPI do Transporte Coletivo, comprova a situação. “Em todos os fóruns que tivemos oportunidade, nos pronunciamos, alertando sobre o déficit da receita. Não só alertamos, entregamos os documentos e não foi dada a atenção devida”, observa. “Hoje chegamos ao fundo do poço, ou pior, ao fundo da fossa, precisamos de socorro. Não temos mais condições de administrar o sistema com a receita atual”, completa.

Entre os principais problemas que os empresários enfrentam está a falta de profissionais para cobrir horários de pico e a receita insuficiente para o pagamento do volume de diesel que é consumido pela frota. “Em 2013 gastamos 6,5 milhões de litros para funcionar e recebemos o preço defasado durante 12 meses. Acumulando ao longo do ano, se torna impagável. Nossos multiplicadores são muito grandes”, explica Vellozo.

Além disso, os questionamentos sobre a manutenção do sistema prejudicou a imagem dos empresários, que tiveram dificuldades, inclusive, em conseguir condições de financiamento. “Nos preocupa porque não estamos trabalhando em qualquer sistema de transporte. É o melhor do mundo, uma referência mundial em uma cidade que teve durante toda sua vida o transporte coletivo como referência”, observa. Sobre os debates a respeito de uma nova licitação, Vellozo afirma que é preciso “equacionar os reflexos de uma medida arbitrária”. “Não há problema nenhum desde que os passos legais sejam respeitados”.

 

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