Mobilidade se traduz em atividades econômicas e no valor imobiliário

Entrevista com Roberto Ghidini, engenheiro civil e observador urbano

Gazeta do Povo | 03 de março de 2011 | Foto: Antonio Costa/ Gazeta do Povo

A evolução do transporte público de uma cidade não provoca mudanças apenas em aspectos de mobilidade. O impacto vai além do deslocamento de pessoas em ruas, trilhos, ciclovias e calçadas. A presença de um modal influencia toda a dinâmica territorial da região em que ele está instalado.

É isso que o engenheiro civil Roberto Ghidini aborda em sua tese de doutorado “A dinâmica territorial em torno ao transporte público e suas inter-relações – Estudos sobre o metrô de Madri e a RIT em Curitiba”, a ser apresentada ao Departamento de Urbanística e Ordenação do Uso Territorial da Escola Superior de Arquitetura da Universidade Politécnica de Madrid, na Espanha.

No estudo, Ghidini compara os transportes públicos de Curitiba e Madri para indicar a influência econômica e social que esses serviços exercem nas duas cidades. Brasileiro, Ghidini é um dos fundadores da Sociedad Peatonal, organização não governamental que debate a promoção da mobilidade urbana sustentável. Hoje ele mora em Madri e conversou com a Gazeta do Povo em uma passagem por Curitiba. Confira os principais trechos da entrevista.

Que influência o sistema de transporte público exerce sobre Curitiba e Madri?
O estudo mostra que a mobilidade se traduz também em atividades econômicas e no valor imobiliário, que são resultados do processo de urbanização. Os resultados são muito parecidos nas duas cidades, mesmo com as diferenças de modal, pois falamos do metrô e do transporte rodoviário. Em ambas, a proximidade a estações de parada do ônibus do meio de transporte, independentemente se o bairro é de classe alta, média ou baixa, promove maior concentração de atividades e o valor imobiliário é maior. Isto é potencializado quanto mais perto da estação, independentemente dos standars econômicos e sociais. Outro ponto importante é que Curitiba tem desde 1966 um plano de uso e ocupação do transporte e do solo, mas isso não acontece em Madrid, embora lá também aconteça de uma área potencializar a outra.

Que papel a mobilidade urbana sustentável ocupa nas cidades?
Ela é importantíssima. Os cidadãos precisam caminhar, andar de bicicleta, tudo isso sem consumir energia nem contaminar o meio ambiente. Mas isso também demanda um bom sistema de transporte público e um desenho da cidade que seja amável ao pedestre. Neste ponto temos muitas dificuldades em Curitiba. As calçadas, por exemplo, são de má qualidade. Em Madrid a situação é melhor em relação à qualidade no que diz respeito à acessibilidade e segurança do cidadão.

O metrô em Curitiba pode trazer melhorias para o sistema de transporte público na cidade?
Um metrô é sempre bem vindo, principalmente porque o eixo de transporte norte–sul em Curitiba, pelo que ouço falar, transporta cerca de 40 mil passageiros por dia. Isso mostra que o sistema está mesmo saturado. Em relação ao projeto em si, acredito que poderiam tirar mais partido urbanístico, adotando um novo eixo, diferente dos ônibus que já existem, que passe por outras zonas e atendesse à demanda do público, potencializando novas áreas da cidade.

Como Curitiba está em relação à mobilidade urbana sustentável?
Aqui temos muitos avanços, como a Rua XV de Novembro, no Centro da cidade, que é uma área que estimula os deslocamentos a pé. Mas acredito que falta voltar os olhos ainda mais para os pedestres, dar condições de caminhabilidade, fazer boas calçadas que sejam seguras, incentivar o uso de bicicletas e diminuir o uso de carro. É preciso incluir a mobilidade com baixo consumo de energia e modificar a estrutura do sistema de ônibus, criar novos eixos de deslocamentos. Mas Madri também não está “as mil maravilhas”. As duas cidades são parecidas no que diz respeito às tendências. Os mecanismos são focados na produção e comercialização de veículos que se tornam o modal mais utilizado no dia a dia. Lá, temos mais investimentos públicos e se investe tanto na mobilidade sustentável como na insustentável.

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