40% dos Consegs estão inativos

Pouco envolvimento da comunidade e falta de apoio do poder público comprometem trabalho de conselhos de segurança

Gazeta do Povo | 10 de março de 2011 | Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Aline Peres e Carolina Gabardo Belo

Pelo menos 30 conselhos comunitários de segurança (Consegs) existentes em bairros de Curitiba e municípios da região metropolitana estão inativos. O número representa 40% do total de 75 grupos que deveriam ser um elo da comunidade com o poder público, representando os interesses e as preocupações de cada localidade. Com isso, fica comprometida parte de uma estrutura criada para identificar problemas pontuais ligados à segurança pública e a outras áreas como educação, saúde, terceira idade e trânsito.

Apoiados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) por meio da Coordenação Estadual dos Consegs do Paraná, os conselhos comunitários de Curitiba e região passam hoje por um momento crítico. A Gazeta do Povo entrou em contato com 56 de todos os Consegs relacionados no site da Sesp. Desses, apenas 26 atuam normalmente – 17 se encontram em fase de formação e aguardam a aprovação da secretaria para que possam exercer suas atividades e 13 deixaram de funcionar.

A situação se agrava (e, em alguns casos, chega a ser insustentável) devido à tímida participação da população nos Consegs e à falta de apoio do poder público. Isso se repete inclusive naquelas unidades em que os trabalhos continuam a ser desenvolvidos. Com essa situação, a rede de prevenção à violência fica enfraquecida, sem contribuições da sociedade em discussões e na apresentação de melhorias para problemas que envolvem a comunidade.

A participação da população é vista como indispensável para a identificação de problemas, que passam a ser analisados em conjunto para encontrar propostas que venham a solucioná-los. No Paraná, as primeiras experiências com conselhos comunitários foram desenvolvidas em Londrina e Maringá nos primeiros anos da década de 1980. Contudo, a regulamentação dos Consegs no estado só aconteceu em 2003, quando o governo estadual defendia a estrutura como uma importante aliada no combate à violência.

Curitiba
Dos 52 Consegs existentes na capital, 11 estão inativos. É o caso do constituído no bairro Bigorrilho, que funcionou durante dois anos. A ex-presidente Cleusa Mara Gaio conta que ficou desestimulada com a falta de participação da população. “Desisti porque não existe apoio nenhum. É preciso apoio e a comunidade não acredita mais. Eu me esforcei, fazia reuniões, mas as pessoas perceberam que quem deveria apoiar não estava presente”, desabafa. Apesar da falta de atividade do conselho, ela tem consciência de sua importância. “É uma questão de cidadania, de ter seus direitos e buscá-los”, afirma.

No Uberaba, o responsável indicado no site da Sesp como presidente do conselho, Jaime Piloni, conta que deixou Curitiba há dois anos e não sabe quem segue com o grupo. Atualmente, ele é responsável pelo Conseg de Quitandinha, na região metropolitana (RMC). “É tudo tão desorganizado que nem tiraram meu nome da lista”, critica.

Em Itaperuçu, na RMC, a situação não é diferente. Para o presidente Paulo Roberto Correa de Araújo, o maior desafio é mobilizar as autoridades. “No Vale do Ribeira temos uma ausência do Estado e os conselheiros são vistos como opositores da administração pública”, lamenta. Araújo constata ainda que o desânimo da comunidade é consequência da falta de resultados.

Já na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), o medo de represálias por parte de traficantes é outro fator que inibe a participação da comunidade no conselho. Isso acontece por causa do desconhecimento da atuação do Conseg na comunidade. A proposta não é exercer o papel da polícia, mas pensar o que pode ser feito para melhorar a qualidade de vida da população.

Paraná
O restante do estado enfrenta a ausência dos conselhos de segurança. Segundo o presidente fundador da União Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança (Uniconseg), José Augusto Soavinski, apenas 172 dos 399 municípios paranaenses contam com a estrutura. Ele afirma que a burocracia que mantém os Consegs atrelados à Sesp teria inibido a constituição de muitos grupos. “As autoridades não falam do conselho de segurança, parece que somos malvistos perante a segurança pública”, considera.

De acordo com a coordenadora do Conseg Estadual, Michelle Lourenço Cabral, a articulação dos conselhos junto com o desenvolvimento da polícia comunitária é uma das prioridades da Sesp para os próximos meses. No cargo há três semanas, Michelle conta que está fazendo um levantamento sobre a atuação dos Consegs em todo o estado. O próximo passo será chamar os representantes para definir estratégias de ação integradas, capacitação de integrantes dos grupos e realização de uma campanha de sensibilização junto à comunidade.
Iniciativas não se restringem à segurança
Diante da busca de soluções para problemas identificados por conselhos comunitários de segurança (Consegs), surgem iniciativas que têm o principal apoio na comunidade. Há casos em que os grupos conseguiram instalar módulos policiais, criar comitês de defesa civil e realizar programas sociais voltados a crianças e adolescentes.

Com um ano e meio de funcionamento, o conselho da área central de Curitiba já tem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e busca patrocínio do governo federal para a implantação de seus projetos. Uma das iniciativas mais comemoradas pelo grupo é a revitalização da Praça Eufrásio Correia, feita em parceria com a administração pública, empresários e a comunidade. Para a presidente Maria Lúcia Gomes, a articulação depende da credibilidade conquistada pelo conselho. “Não podemos pensar a segurança como um assunto de polícia, mas como política pública. Temos que buscar o que nos é de direito e precisamos trabalhar em grupo”, explica.

Para atender as vítimas das enchentes no Bairro Alto, uma parceria do Conseg da região com a Defesa Civil levou à criação do Núcleo Comunitário de Defesa Civil (Nudec). Por enquanto, cinco pessoas fazem parte do grupo, que recebeu capacitação para prestar atendimento inicial a vítimas em casos de cheias. “Prestamos o primeiro atendimento, mas também fazemos a prevenção. Fazemos isso porque a segurança abrange muitas coisas, desde passarelas, asfalto, unidades de saúde e feiras de artesanato”, destaca o presidente do conselho, Marcos Murilo Holzman.

No Batel, também na capital, a parceria com estabelecimentos fez com que o conselho ganhasse uma sede própria, que também abriga a 2.ª Com­panhia do 12.º Batalhão da Polícia Militar. Além disso, a soma de esforços do Conseg com escolas, shoppings e comerciantes da região resultou na criação do projeto Sinal Verde para a Educação, voltado à capacitação profissional de crianças e adolescentes em situação de risco. “Nossa dificuldade é mostrar que o problema que afeta o vizinho é diretamente comum a todos. Se cada um só cuidar de si, a violência vai imperar. Por isso, temos que nos envolver e disseminar coisas boas”, afirma o presidente do Conseg, Acef Said.

Combate à violência
Diante da violência crescente dos últimos anos, lideranças comunitárias da região metropolitana também resolveram se unir para combatê-la. Veraci de Lima é uma delas. Menos de um ano à frente do único Conseg em funcionamento em Almirante Tamandaré, ela já esteve ligada à regularização de lotes, melhorias urbanas e segurança no ambiente escolar.

Além disso, Veraci já mobilizou 30 moradores do bairro Cachoeira. Entre as reivindicações da comunidade estão a instalação de câmeras de monitoramento em áreas de risco, a reabertura de um módulo policial, e o retorno do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) nas escolas, que deixou de existir há dois anos.
Participação em conselhos é ato de cidadania
A participação da sociedade nos conselhos comunitários de segurança (Consegs) é fundamental para legitimar o processo de prevenção à violência, pois traz para o debate as reais necessidades e prioridades de cada região. Quando isso acontece, os benefícios tornam-se concretos.

Distante das discussões, a comunidade perde uma importante oportunidade de exercer a cidadania e deixa de ver problemas cotidianos solucionados. “Ela deixa, de alguma maneira, de construir uma cultura de paz em âmbito local. O debate é cada vez mais importante para diminuir o fosso entre a sociedade e a segurança”, avalia o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG) e coordenador do instituto Minas Pela Paz, Luis Flávio Sapori.

Ele aponta o descrédito das instituições públicas em resolver os problemas como um dos principais fatores para a ausência da população nas reuniões dos Consegs. “A percepção dos cidadãos é de que os conselhos não são ‘pra valer’. Existe a sensação de que os grupos não têm capacidade de tomar decisões relevantes sobre a vida deles”, afirma.

Para o presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos, Pedro Pedron, o responsável por essa situação é o Estado, que não oferece o apoio necessário aos conselhos. A falta de capacitação dos grupos também prejudica o andamento das atividades dos conselhos, que, sem a orientação necessária, desconhecem suas reais atribuições e o que devem reivindicar junto ao poder público. “É preciso conhecer a comunidade, os projetos desenvolvidos na região, ver que articulações podem ser feitas”, diz. Para encontrar o Conseg no seu bairro acesse www.conseg.br.gov.br.

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